Wednesday, 4th October 2023 07:40
Home / Futebol sem fãs: como o lockdown afetou o jogo bonito?

POR EQUIPE POKERSTARS

Picture1.jpgParece que faz muito tempo desde que os torcedores lotaram os campos da Premier League. (Flickr / Creative Commons)

Na Bundesliga, a primeira divisão do futebol alemão, os jogadores não costumam usar a camisa 12. Em vez disso, esse número particular é reservado para “a multidão”, o 12º jogador não oficial, que empresta comprometimento, energia e apoio inabalável semana após semana, seja no sucesso, como no fracasso, pelos altos e baixos. Todo esportista profissional reconhecerá a influência dos espectadores vociferantes nas atuações em campo. A tradição alemã de atribuir uma camisa aos torcedores apenas torna o arranjo mais formal.

No entanto, desde que a pandemia de coronavírus se espalhou pelo mundo este ano, o 12º homem foi forçado a ficar em casa. Embora os jogos tenham sido autorizados a serem retomados, na maioria das ligas organizadas os assentos ao redor dos campos permanecem quase todos vazios. Arenas cavernosas que antes balançavam e pulsavam com dezenas de milhares de torcedores são apenas conchas vazias. Sem atmosfera, ficamos com o futebol, mas não como o conhecíamos antes.

Mas o que, especificamente, aconteceu com o futebol sem torcedores? Os estádios de futebol vazios mudaram o jogo? E o que o lockdown no contexto do futebol significa para as pessoas mais afetadas: os próprios torcedores?

GOLS! GOLS! GOLS!

Assim como em muitas competições, a Premier League da Inglaterra foi interrompida abruptamente no final da temporada 2019-2020, com 92 partidas ainda pendentes. Os jogos recomeçaram em meados de junho e a temporada terminou rapidamente, mas o efeito indireto foi que a temporada 2020-21, que normalmente teria começado em agosto, não começou até 12 de setembro.

Mas assim que começou, voltou com um estrondo.

De acordo com a análise da BBC, os primeiros 38 jogos da temporada 2020-21 renderam 144 gols, 40 a mais do que no mesmo número de jogos da temporada anterior. Houve uma média de 3,79 gols por jogo, a maior média desde 1930.

Essas partidas incluíram alguns resultados bizarros: o atual campeão, o Liverpool, perdeu por 7 a 2 para o Aston Villa, equipe que apenas evitou o rebaixamento no ano anterior. Enquanto isso, o Tottenham Hotspur venceu o Manchester United por 6 a 1 na casa do United, Old Trafford. Com o chamado “Theatre of Dreams” (teatro dos sonhos) vazio, o United foi dilacerado pelos visitantes londrinos.

Picture2.jpgMenos torcedores = Mais gols

A BBC questionou o zagueiro do Everton, Michael Keane, sobre o motivo pelo qual havia tantos gols sendo feitos agora, e ele sugeriu que a ausência de torcedores poderia ser um fator contribuinte. “Isso pode dar aos atacantes um pouco mais de liberdade para tentar coisas que talvez não tentassem se sentissem um pouco mais pressionados pelos torcedores”, disse Keane.

Outras pessoas envolvidas com o jogo dizem que uma multidão aumenta a adrenalina, o que por sua vez ajuda na concentração – uma habilidade necessária especialmente entre os zagueiros, para ajudá-los a jogar com intensidade suficiente para manter os atacantes de classe mundial afastados da área.

“Os torcedores aguçam os seus sentidos, aumentam a intensidade da sua reação muscular”, disse Carlos Carvalhal, ex-treinador do Sheffield Wednesday e do Swansea City, que agora comanda o Braga em Portugal. “Tem uma grande influência na cabeça dos jogadores, eu diria até 20 por cento.”

O psicólogo esportivo Michael Caulfield concorda. “O futebol é um jogo baseado na ameaça, no medo e isso desapareceu sem os torcedores no estádio”, disse Caulfied à BBC.

Pode-se esperar que os estádios vazios afetem o time da casa em particular, especialmente porque é bem conhecido que eles tendem a ser mais favorecidos em jogos de futebol. Mas esse palpite provou não ser verdadeiro, pelo menos de acordo com cálculos feitos pelo site The World Game. Na tentativa de medir se a vantagem de jogar em casa foi afetada, o site analisou os jogos da Premier League disputados entre junho e outubro de 2020, todos eles a portas fechadas, e comparou-os com todos os jogos anteriores da Premier League.

Embora o conjunto de dados fosse necessariamente menor no futebol pós-lockdown (130 partidas em comparação com 10.794 pré), a taxa de vitórias entre os times da casa foi praticamente idêntica. No futebol pós-lockdown, os times da casa venceram 46,2% dos jogos, em comparação com 45,4% antes disso.

Mas isso não é tudo. De acordo com a análise do World Game, a maior alteração estatística pode ser observada ao considerar as vitórias da equipe visitante. No futebol pré-lockdown, onde os torcedores eram permitidos, os times visitantes venceram apenas 27,6% das partidas. No entanto, com os estádios vazios, essa taxa subiu para 36,9%.

(Essas duas estatísticas podem coexistir devido a uma diminuição acentuada no número de partidas empatadas. Até 8 de outubro de 2020, apenas 17,7% dos jogos no conjunto de dados analisados resultaram em empate em comparação com 26,1% antes do lockdown.)

SAÚDE MENTAL

Uma das razões pelas quais o futebol continua sendo um jogo tão popular no mundo todo é sua capacidade de unir comunidades e aproximar pessoas, mesmo com os preços dos ingressos disparando e os times se tornando marcas globais. Se você mora perto de um campo de futebol no Reino Unido, esse quase sempre acaba se tornando seu time. Com muito poucas exceções, os times não tendem a trocar de cidade como as franquias nos esportes americanos. As equipes estão enraizadas nas comunidades, e seguir um time de futebol é um compromisso para a vida.

Picture3.jpgAs arquibancadas continuam vazias em todo o mundo esportivo

Conclui-se que, para muitas pessoas, o futebol está no centro de seu calendário social. Alguns torcedores seguem seu time com um ardor que deixa os cônjuges com ciúmes, organizando toda a sua vida em torno do calendário de jogos. Talvez não seja surpreendente que tirar tudo isso deles, e tão repentinamente, possa ter um impacto adverso no bem-estar de alguns torcedores. Quando isso ainda é combinado com o cancelamento de campeonatos amadores, privando os torcedores da capacidade de assistir ou jogar futebol, muitas organizações tiveram receio de uma crise de saúde mental.

“O futebol pode tirar você da realidade”, disse Kevin George à Sky Sports, um ex-profissional que agora é escritor e especialista em saúde mental no futebol. “Se você tirar isso, esse aumento de adrenalina, é capaz que tenha de encarar algo que está no fundo da sua mente – e algumas pessoas podem não ser capazes de lidar com isso.”

George se refere especificamente sobre os próprios jogadores de futebol, mas o mesmo se aplica aos torcedores.

“Eu acho que (o senso de) comunidade e amizades ao seguir o seu clube são importantes”, disse à BBC um portador de ingressos para a temporada do Southend United, Jack Lawrence. “No sábado, você esquece tudo o que está acontecendo na sua vida e apenas torce para o seu time por 90 minutos. Isso é muito importante para a saúde mental das pessoas, por isso é igualmente importante que os estádios sejam abertos o mais rápido possível.”

John Gibbons, chefe de parcerias do podcast Anfield Wrap, conversou com o Football Critic sobre o assunto. “Pode ser ‘apenas futebol’, mas você investe tanto de si no jogo que é normal que haja um vazio, independentemente de quem você torça”, disse Gibbons ao site. “É parte da identidade das pessoas que foi tirada indefinidamente. Na melhor das hipóteses, isso criará inquietação.”

“Como para muitos de nós, ir a jogos de futebol me ajudou a atravessar alguns momentos difíceis da vida. O time que torço e as pessoas com quem assisto às partidas estiveram lá quando eu mais precisei. Agora eles não estarão e isso é difícil. Teremos que encontrar algo para substituí-lo, mas em tempos de isolamento e distanciamento social, é difícil saber o que.”

Há, é claro, sinais encorajadores de que o exílio dos torcedores terminará em breve. Algumas ligas estão testando a reabertura de estádios com capacidades reduzidas, enquanto o potencial para uma vacina contra a Covid-19 aumenta. Então, se você está sentindo falta da sua família futebolística, aguente firme. E lembre-se: busque apoio se achar que sua saúde mental está afetada, por qualquer motivo. Entre em contato com qualquer um dos seguintes:

Brasil

Rede De Atenção Psicossocial (RAPS)

CVV (Centro de Valorização da Vida)

Reino Unido

Samaritans

NHS

SANE

USA

Mental Health America

Todos os países

Check Point

RESULTADO

Você deve ter lido muito a seguinte citação nos últimos meses: “futebol sem torcida não é nada.” Ao nos sentamos em nossas salas de estar ouvindo o barulho falso da multidão colocado em partidas sem brilho, isso parece se encaixar muito bem nas circunstâncias.

No entanto, a citação em si é na verdade uma leve corrupção de algo proferido pelo ex-técnico do Celtic e da Escócia, Jock Stein e, se válida, a versão completa é ainda mais apropriada. Stein disse: “futebol sem torcida pagando ingresso não é nada”.

Picture4.jpgTodos os torcedores que pagam ingresso mantêm o jogo funcionando

O dinheiro que banca o futebol de elite chega de todas as direções, incluindo empresas de TV que pagam pelos direitos de exibição das partidas, bem como patrocinadores e anunciantes que pagam milhões para publicar seus nomes nas camisas dos times, outdoors e mercadorias oficiais. Mas a receita dos portões – ou seja, o dinheiro acumulado da venda de ingressos para dos torcedores nas catracas – ainda representa uma grande fatia do lucro do futebol, e é ainda mais significativa nas ligas inferiores, onde as câmeras de TV não chegam.

“O futebol não é o mesmo sem torcedores presentes e a economia do futebol é insustentável sem eles”, disse a Premier League em um comunicado divulgado em setembro. “Na última temporada, os clubes da Premier League sofreram perdas de £700 milhões e, atualmente, nosso jogo nacional está perdendo mais de £100 milhões por mês. Isso está começando a ter um impacto devastador sobre os clubes e suas comunidades”.

Se os clubes da primeira divisão estão sofrendo, a ausência de torcedores é ainda mais significativa na parte inferior da pirâmide do futebol. “O futebol inglês está à beira do abismo”, escreveu Mark Ogden da ESPN. “No Natal, alguns dos clubes mais antigos e melhor administrados do jogo podem estar fora do mercado, levados à extinção pelo impacto devastador da pandemia de coronavírus.”

Ogden continua investigando exatamente quão menos dinheiro passa da Premier League para os clubes menores, cujos orçamentos são necessariamente muito mais apertados e mais dependentes da receita dos portões. Esses clubes enfrentam algumas decisões excepcionalmente difíceis, incluindo se testam jogadores para a Covid-19 quando os kits de teste são caros e alguns resultados positivos podem resultar no cancelamento dos jogos. O Leyton Orient, por exemplo, teve de desistir de sua partida programada na Carabao Cup (Copa da Liga Inglesa) contra o Tottenham Hotspur após alguns de seus jogadores terem testado positivo. O clube perdeu a taxa de transmissão de £75.000.

“No mundo desprovido de capital da EFL (Liga de Futebol Inglesa), cada libra economizada é uma libra ganha”, escreve Ogden, e ainda cita Dave Burgess, diretor do Accrington Stanley da League One, que explica que o clube não podia pagar para testar seus jogadores. “Você tem que se certificar de manter as pessoas o mais seguras possível, mas não podemos gastar 4 mil libras por semana em testes”, disse Burgess. “Todos os nossos funcionários não-jogadores, inclusive eu, tiveram que fazer um teste [através do NHS, sistema de saúde pública britânico] porque não podíamos pagar nem 125 libras por vez… O serviço de correio cobrava 300 libras para levar os testes ao laboratório para serem processados ​​no mesmo dia, mas devido aos custos, eu mesmo os entreguei. Foram mais de 160 quilômetros, mas eu simplesmente entrei no carro e fui dirigindo.”

Embora a Premier League possa achar que é imune às adversidades, o pico de qualquer pirâmide depende da força de sua base. Os clubes da primeira divisão encontram e desenvolvem jovens talentos; os clubes sobem e descem na classificação e precisarão de adversários e partidas se estiverem em declínio.

“Estamos em um verdadeiro ponto crítico”, disse Mark Catlin, CEO da Portsmouth, à ESPN. “Não estou tentando entrar em pânico ou criar histeria aqui, mas acho que haverá um grande efeito dominó quando um ou dois clubes forem à falência. Outros não serão capazes de cumprir suas obrigações, e logo os que sobrarem se perguntarão qual é o sentido de continuar.”

A questão pode ser menos quando os torcedores terão permissão para voltar, mas mais se ainda haverá futebol para eles assistirem.


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